A vida invisível da oposição

Sinopse: parlamentares da oposição acordam de manhã cedo. Ao se olharem no espelho, tomam um susto —a imagem deles está lá refletida. Mas as suas visões haviam ficado ligeiramente turvas.

Cena 1: O Despertar de Gleisi
A presidente nacional do PT esfrega os olhos. A visão embaçada não a impede de dar início à leitura dos jornais. Passa os olhos sobre o novo delírio de algum filho do presidente, as intrigas do PSL, as jogadas de João Doria. Lê um desabafo de Luana Piovani sobre o ex-marido. Como de costume, não vê seu rosto estampado em nenhuma página. Toca os ombros com as mãos para verificar se continua encarnada naquele corpo. Veste-se e sai rumo ao Congresso.

Cena 2: O Eclipse
A caminho do trabalho, ainda com a visão anuviada, o senador Humberto Costa checa as redes sociais. Blogueiros bolsonaristas dominam os trending topics, youtubers de direita repercutem seus vídeos, o novo delírio de algum filho do presidente viraliza. Nada de novo.

Enquanto se dirige para a CPMI das Fake News, seus olhos voltam a enxergar com clareza, como num eclipse. Vê, no entanto, sua oportunidade de protagonismo ser absorvida pelo histrionismo dos novos tempos. Abandona a sessão esfregando os olhos e precisa de ajuda para apertar o botão do elevador.

Cena 3: Caos Generalizado
Paulo Pimenta, do PT, vagueia desnorteado pelos corredores. Ivan Valente, do PSOL, bate com a cabeça numa parede. Daniel Almeida, do PCdoB, saca uma foice e um martelo para se defender de
inimigos que possam tirar proveito de sua falta de visão. Ao desferir um golpe cego com a foice, o deputado escuta um barulho: puf. Surpreso, percebe que havia estourado uma bolha que envolvia seu corpo. Recupera a visão.

Cena 4: Coração Valente
O pecedebista ergue sua foice e grita: “FREEEEEDOM”. Agora, com os olhos não mais obnubilados, começa a furar as bolhas dos colegas. Nesse momento todos os parlamentares de esquerda enfim se olham nos olhos.

“Lula livre”, diz Gleisi, erguendo o punho. Molon se cala, contrariado. Freixo elenca outras prioridades. Ofendido, Daniel Almeida abandona o grupo. Já não concordava mesmo com a interpretação enviesada que o PSOL dava ao conceito de mais-valia. O diálogo se tornara impossível.

A rodinha se desfaz, os parlamentares tomam diferentes direções e, 17 minutos depois, interrompem a caminhada —uma nova bolha, agora bem maior, trava seus passos.