Mamadeira de Piroca: Um Ensaio
Uma reflexão apurada sobre o artefato que se tornou o graal das fake news pode jogar luz sobre o método de espalhar mentiras e atacar reputações.
Pois, sim, há um método.
A mamadeira de piroca reúne todos os elementos de uma fake news raiz.
Primeiro, e mais importante, é criar boatos que mexam com os instintos mais primitivos de uma base conservadora: nudez, pedofilia, zoofilia, traição conjugal, assédio, estupro, aborto.
A ideia é ativar impulsos irracionais de pânico a qualquer iniciativa que atrapalhe um projeto de poder conservador. Cria-se dessa forma uma repulsa visceral, inquebrantável, insubstituível, a serviço de uma proposta política.
Com esse discurso, se estabelece uma base de influenciadores que se apresentam como defensores da moral, da família e das crianças. O elo que os une, por ser irrevogável, tem a força da fé. Não é questionado, acredita-se nele e pronto. E, claro, ele é propagado.
Em seguida, um grupo coordenado embala o boato em memes, narrativas monstruosas ou teorias conspiratórias e solta o vírus na rede.
O humor, a perversidade e a excitação de descobrir verdades ocultas têm uma vocação viral gigantesca. Ataques pessoais são frequentes, espalham-se movidos pela força irresistível e sedutora da vingança.
Ao mesmo tempo, para reassegurar esse grupo como fonte única de formação de opinião, mantendo acesa a chama inquestionável da fé, é preciso desacreditar outros motores que podem provocar reflexões das mais variadas —a imprensa, livros, filmes, exposições, peças de teatro, esta coluna.
A mamadeira de piroca é exemplar. Reúne em uma imagem concisa uma ameaça à sexualidade das nossas crianças, que se tornam presas ingênuas passíveis de serem doutrinadas pela esquerda nas salas de aula.
A base conservadora sentiu o impulso profundo de passar a imagem adiante e vilanizar, de forma satânica, o responsável por essa barbaridade.
Assim como o kit gay. Ou o boato de que Marielle era mulher de traficantes. Ou a teoria de que George Soros comanda, pela força do dinheiro, um exército de zumbis de esquerda. Ou que Patrícia Campos Mello, jornalista desta Folha, teria oferecido sexo por informações jornalísticas.
Trata-se de um método. Uma indústria. E que, até agora, espalha mentiras impunemente. Mais do que isso: anda por aí triunfante e exultante de suas estratégias.