Rei Momo, nosso maior estadista
Pressionado por policiais à paisana, Rei Momo confessou. “Escondi sim”, gaguejou, enquanto cobria o rosto e balançava um molho de chaves gigantescas. “Mas não era golpe. Era Carnaval”, completou.
Em seguida, mais calmo, o rei da folia explicou por que se recusou a devolver as chaves das cidades que recebeu dos prefeitos. “O Carnaval se tornou, oficialmente, o único período de normalidade democrática do ano”, ponderou. “De sábado à Quarta-feira de Cinzas, o país abandonou o transe coletivo que entranhou o ódio e a discórdia na nossa carne. Foram dias em que lembramos nossa vocação para a alegria, a criatividade e a harmonia. Eu quis garantir que as cidades continuariam sob minha administração”, completou, emocionado.
Diante de um PowerPoint, Momo fez um balanço de sua intervenção: “No meu governo, o foco foi nas pessoas reais, das mais diversas, que desfilaram seus corpos e suas fantasias pelas ruas. Mensagens espontâneas e publicitárias ressoaram juntas contra o assédio, o racismo e a homofobia”.
“No meu governo, o Brasil é engraçado, tolerante, colorido e encontra na mistura uma palavra nova pra dar ao mundo.”
“No meu governo, Jesus não precisa ser um homem branco de olhos claros e cabelo liso que vai premiar com êxito financeiro quem seguir dogmas antigos interpretados por pastores de hoje. Mas quem quiser acreditar no Jesus branco de olhos claros e cabelos lisos também tem lugar.”
“No meu governo, escola de samba campeã traz a educação como enredo.”
“No meu governo, o hino nacional passa a ser: ‘Mangueira, tira a poeira dos porões/ Ô, abre alas pros teus heróis de barracões/ Dos Brasis que se faz um país de Lecis, Jamelões’.”
Para finalizar, Rei Momo segurou as chaves com firmeza e desabafou: “Peguei essa nação à beira de um ataque de nervos, um país cuja imagem simbólica era a do senador desgovernado levando dois tiros após jogar uma retroescavadeira em cima de policiais amotinados numa greve ilegal. Sem falar nos ares autoritários vindos de Brasília e nos métodos de disseminação de fake news que, impunes, se multiplicaram”, resumiu.
Na sequência, manifestando indignação, continuou: “E assim que finalmente resolvo devolver as chaves, surge a notícia de que o Bolsonaro está convocando apoiadores para uma manifestação antidemocrática!”. E caiu em prantos.
Apontado como nome mais forte para unir o país, Rei Momo se esquivou: “Ainda falta muito para 2022”.