Deus anuncia recall do carioca

Deus todo-poderoso, pautado por seu princípio de justiça divina, convocou os cariocas a comparecer ao limbo, a fim de realizar a devolução de suas almas. “Acho que fui muito onipotente. Esse negócio de criar tudo em sete dias foi apressado demais, só podia dar problema. Tava na cara! Tenho que admitir que, de todas as minhas criações, o carioca foi aquela que realmente não deu certo”, lamentou o Criador.

Exausto, o Misericordioso caiu de joelhos e se benzeu. “Em nome do Bolsonaro paido Witzel e do Marcelo Crivella, como o carioca tem dedo podre pra escolher seus governantes! Pelo amor de Mim mesmo! Achei que tinha pagado todos os meus pecados com Sérgio Cabral e Pezão”, Ele desabafou.

Ao lembrar de líderes evangélicos cariocas, dirigentes esportivos e empresários, do Vivendas da Barra e da Flordelis, o Altíssimo pegou a estátua de Seu filho pela mão. “Vamos embora daqui. Não dá mais.”

Onisciente de suas limitações, o Supremo Arquiteto lembrou a fulgurante inspiração que o iluminou no momento de projetar as praias e montanhas. A lagoa Rodrigo de Freitas, então com o dobro do tamanho atual, tinha peixe, camarão, era cheia de vida. Gabou-se de ter benzido o samba, a bossa nova, o Garrincha, o Matte de galão, o frescobol.

Foi com um aperto no supremo peito que Ele anunciou o recall do carioca. “Tanto esmero para erguer uma cidade inspiradora e o carioca acha que todas essas qualidades são dele. O carioca não ama o Rio de Janeiro. Ele ama o fato de ser carioca. O Rio de Janeiro não merece o carioca”, resumiu, indignado.

Aquele-Que-Se-Fez-Carne prometeu descontinuar toda a linha de cariocas e devolver a cidade aos passarinhos, macacos, peixes, camarões, às capivaras, a todos os animais que habitavam essas terras
férteis. “Talvez só deixe o Zeca Pagodinho”, ponderou.

De repente, Deus Pai foi abruptamente repreendido por um guardião do Crivella. “Ô, mermão. Recolhe essa tromba aí, parceiro. Não pode ficar se lamentando aqui nessa cidade não. Vai ficar de mimimi? Aqui tem prefeito. E tem o Mito! Mitooooo!”, bradou o brucutu mascarado.

No mesmo instante, um carro com insulfilme passou rente às Suas sandálias da humildade e um miliciano mandou a real. “Ô, Santíssimo, a parada é a seguinte: ou você se adapta às nossas regrinhas ou pode picar Sua mula no deserto. Essa cidade aqui tem dono, parceiro.”