Retrato aloprado: uma biografia de Jair Bolsonaro (parte um)

Renato Terra

Jair Messias Bolsonaro nasceu em Glicério (SP), em 1955.

Seu parto já demonstrou que aquele não seria um homem comum. Ao receber o tapinha do médico no bumbum, seu semblante se fechou em copas. Os olhos miravam, furiosos, aqueles que o haviam tirado da barriga da mãe, onde antes ele flutuava sem fazer nada, sem trabalhar, sem precisar se esforçar para comer ou defecar.

Suas mãozinhas começaram a se cerrar. Apenas o indicador e o polegar permaneceram erguidos, simulando uma arminha que o recém-nascido mirou na cabeça do doutor. Em seus primeiros segundos de vida, Bolsonaro elegia, em silêncio, seu primeiro inimigo.

Toda vez que o leite materno lhe era oferecido, o infante trancava os lábios. Aceitava apenas leite condensado, desde que sorvido diretamente da embalagem.

O afeto lhe era estranho. Sempre que alguém ameaçava um cafuné, um abraço, um colo, o petiz uivava. Parentes próximos lembram que seu uivo emitia um som parecido com “auuuuuustra”.

Sua cantiga de ninar favorita era a “Marcha Fúnebre”. Desde bebê dormia com os olhos abertos e as mãozinhas em posição de alerta, sempre em forma de arminha.

Mudou-se para Eldorado, na região do Vale do Ribeira, sul de São Paulo.

Ali o garoto passava o dia boiando na caixa d’água, emulando o saudoso útero.

Aos 7 anos, o menino ainda não tinha aprendido a falar, comer sem ajuda, ficar em pé ou fazer xixi sozinho. Fazia cocô na fralda dia sim dia não.

Inconformado, seu Percy Geraldo, pai de Jair, lhe deu um ultimato: “Ou você fala alguma coisa ou mostra as provas de fraude nas eleições”. Imediatamente Bolsonaro pôs-se de pé, bateu continência e pronunciou suas primeiras palavras: “Não consigo fazer nada”.

Num belo dia, Eldorado foi invadida por uma operação do Exército que tinha o objetivo de encontrar o guerrilheiro comunista Carlos Lamarca.

Os soldados portavam armas de verdade, parecidas com aquelas que Bolsonaro fazia com os dedos.

O jovem encontrou enfim seu propósito: direcionar seu ódio aos comunistas, culpá-los pelos males do mundo, pelo fim do conforto uterino. Criava assim um mundo em que os culpados são sempre os outros, além de um teatro que lhe permitia o essencial: passar os dias boiando na caixa d´água.

A série Retrato aloprado é uma homenagem ao podcast Retrato Narrado