Retrato aloprado: uma biografia de Jair Bolsonaro (parte três)

Você está lendo o terceiro episódio de Retrato Aloprado. Se não leu os anteriores, leia o primeiro e o segundo.

A cidade de Eldorado ficou pequena para Jair Bolsonaro. Formado no ensino médio, ele não encontrava mais repertório para criar inimigos imaginários que justificassem sua inércia.

Então tentou rivalizar com dona Vamércia, uma vizinha fofoqueira. Bolsonaro passava os dias na rede dizendo que Vamércia “torcia contra o Brasil” e que por causa dela ele não conseguia se tornar neurocirurgião de prestígio internacional. Ou advogado. Não colou.

Entrou para o time de futebol da cidade e passou a dominar, como poucos, os segredos e artimanhas do banco de reservas. Num jogo dramático contra o Esporte Clube Paredão da Esquina, de Osasco, conseguiu encadear, ali sentado, os mais desconcertantes impropérios do futebol de várzea. Culpou o juiz pela derrota, pelo insucesso nos estudos, pela vida amorosa, pelas espinhas no rosto e pelos picolés chupados pela família Rubens Paiva. Um fenômeno.

Foi quando seu Percy Bolsonaro, um pai sensível e afetuoso, identificou a vocação do filho. Como se deve fazer numa relação marcada pelo diálogo, foi aconselhar o jovem: “Ô, traste, tu já completou 18 anos? Existe uma faculdade que te ensina a criar inimigos de verdade, seu animal. Se chama Exército!”. E Bolsonaro respondeu: “O Exército vem me buscar em casa? É do interesse deles que eu me aliste”.

Sua inércia foi quebrada pelo movimento do braço do pai em direção ao seu cocuruto.

No Exército, Bolsonaro ingressou na Academia Militar das Agulhas Negras, a Aman. Rapidamente se destacou por seu desempenho físico. Sempre inovador, ele conquistou a admiração dos colegas quando apresentou um novo conceito de flexões de braço. Ganhou o apelido de “minhocão”.

Na sala de aula, seu sistema cognitivo permitia apenas absorver o ódio ao comunismo exalado pelos militares que lutaram na guerrilha do Araguaia.

Vocacionado, treinado e doutrinado para eleger inimigos, Bolsonaro deu um passo importante em sua carreira em 1986 —escreveu um artigo na revista Veja reclamando dos baixos salários e do “ritmo de trabalho não inferior a 48 horas semanais”. Resolveu, portanto, eleger os próprios militares como inimigos. E foi deitar na rede.