Como se tornar um filósofo fetiche

Inteligentinhos, prestem atenção: não se nasce filósofo, torna-se um.

Um filósofo fetiche relê a realidade, restaurando-a com a mesma robustez com que Cecilia Giménez recuperou o afresco “Ecce Homo”. De quebra com algumas pinceladas de Romero Britto.

Ocupar lugar de falo na requisitada ágora de alimentação do shopping Pátio Higienópolis é a fase oral de um filósofo fetiche. Para quem almeja o Olimpo dos coachings da civilização, o gozo de jorrar epifanias diante das massas, o caminho é longo.

Mas tem uns macetes.

Na dialética entre os negacionistas chiques, que afirmam que a Terra é esférica, e os negacionistas bovinos, que evocam a Terra plana, o filósofo fetiche crava: a Terra é fálica. Todo pensamento desse filósofo é estruturado sobre a Terra fálica que pulsa, latente, em busca da simetria entre esquerda e direita.

Por exemplo: a esquerda tem fetiche na tomada de três pinos, assim como a direita tem fetiche no pau de arara. Quando se cria uma simetria entre os dois, um pensamento original emerge. E um panda morre.

As ideias que pulsam pela mente do filósofo fetiche entrelaçam conceitos de Sócrates, Deleuze e Alexandre Frota, mas são de Carlos Imperial as duas balizas que norteiam sua produção intelectual: 1) “Se quiser chamar a atenção para você, comece a falar mal daquilo que estiver mais em evidência no momento”. Se a ciência estiver em evidência, ela que lute. 2) “Somente a vaia consagra o artista”.

No caminho para a glória purificadora das palestras corporativas, há que se puxar sempre o tapete da zona de conforto. Um dos métodos mais usuais é questionar um costume inquestionável. Por exemplo, a higiene bucal: “A esquerda só escova os dentes porque tem inveja do pênis dos brutamontes da direita”.

Também funciona eleger um ícone contemporâneo: “Os inteligentinhos da esquerda são aqueles que cultuam a patinete elétrica como um novo ponto G. Exatamente como os da direita, que mitificam o fuzil”.

Outro aspecto fundamental do filósofo fetiche é estético. Ou cosmético. Apresentar-se como um filósofo é tão importante quanto apresentar-se como um fetiche. O cachimbo, por exemplo, serve aos dois propósitos.

Uma última dica, agora para aspirantes a filósofo fetiche: quando alguém pedir para desenvolver uma ideia, flutue sobre o niilismo. Ou finja desmaio.