O palestrinha de centro acadêmico quer se alinhar à esquerda, mas sua sensibilidade é uma cuia de barro

Um palestrinha de centro acadêmico vai parar de ler esta coluna. É o suficiente para um julgamento definitivo. Decretará meu cancelamento. Não sem antes fazer um discurso.

Isso é muito grave. Estamos num momento tão crítico. Não é o momento de fazer humor. Não. Não precisamos falar sobre Rodrigo Hilbert. Não é o momento de celebrar Roberto Carlos, de cantar “Ragatanga” no chuveiro, de fazer cosquinha. Não.

O palestrinha de centro acadêmico mora na cobertura do Olimpo dos Imaculados. E sempre sobe de escada. De lá, usa o dedo em riste para flutuar organicamente numa bacia de leite com pera. Seu mundo não tem maldade, contradições, ruídos. Ele mesmo nunca colocou sal num café por engano. Seus cadarços nunca desamarraram.

No bolso da camisa de flanela cuidadosamente amassada, traz sempre uma procuração assinada por Brizola que lhe permite falar em nome do povo. E faz isso com frequência nas redes sociais. Qualquer assunto que não seja autorizado por ele está proibido. Quando o assunto está permitido, há que se verificar se a abordagem é a que ele julga correta.

Sua característica fundadora é a dissidência. Tende a se alinhar às pautas de esquerda, mas sua sensibilidade é uma cuia de barro que sempre cava com a intenção do rompimento.

Desiludiu-se com todo o movimento estudantil depois de discordar das interpretações sobre a luta de classes que um colega arriscava numa mesa de bar. Já foi guarani-kaiowá, mas rompeu com os povos indígenas. Brigou com Cyro Garcia por considerá-lo burguês. Abandonou um grupo progressista porque ninguém se ofendia com o fato de Marcelo Freixo morar no Leblon. Quebrou duas moviolas quando ouviu um elogio a Tabata Amaral. Deixou de frequentar churrascos por considerá-los um evento de direita.

Isolado em si mesmo, o palestrinha de centro acadêmico é uma ilha no vasto e plural território da esquerda. Mesmo assim, se tornou o guardião das pautas identitárias. Assuntos importantes só evoluem caso estejam em consonância messiânica com suas virtudes.

Ora é oráculo, ora é esfinge.

Debates fundamentais têm dono, território e burocracia. O humor está morto abraçado com a farofa da autoironia. A lente de aumento está voltada para o umbigo. Isso é muito grave. Estamos num momento tão crítico.

A sociedade, com jeitinho, pede permissão para progredir. Especialmente a esquerda.