Paulo Gustavo: rir é um ato de resistência
Em 2017, recebi o convite da Folha para ocupar este espaço com humor. De lá pra cá, o Brasil vem desabando numa espiral de desumanidade, ignorância, mentira e ódio. Todo dia alguma coisa importante dentro de mim é violentada. Todo dia um tijolo é retirado. Todo dia.
Milhares de mortes diárias são provocadas por uma doença que já tem vacina. É enlouquecedor lidar todo dia com a perversidade de quem poderia resolver tudo isso. O governo não trabalha e bate no peito para exaltar sua crueldade. E é aplaudido por uma claque. Todo dia.
Paulo Gustavo era uma usina de alegria para brasileiros do Acre ao Rio Grande do Sul. De todas as classes sociais. Evangélicos, católicos, umbandistas, judeus, ateus. Isso é tão raro quanto precioso.
Seu talento movimentou uma indústria e provocou gargalhadas e lágrimas nas salas de cinema. Fui ver o primeiro “Minha Mãe É uma Peça” com a minha mãe, ainda viva na época. Guardo a recordação com carinho. Gosto de pensar que muitos acalentam memórias a partir de seus filmes.
Ele deixa dois filhos pequenos que vão crescer sem o privilégio da sua presença diária. Deixa o exemplo gigantesco de que qualquer maneira de amor vale a pena. E de que família é aquele núcleo formado por pessoas que se amam. Quantas famílias se constituíram inspiradas pelo seu exemplo?
Paulo Gustavo era uma força da natureza contra o baixo-astral diário. E continua sendo.
O humor que me diverte é aquele que enxerga a realidade por outra perspectiva e, por isso, revela novas maneiras de pensar o mundo. Um riso que também liberta, questiona preconceitos e provoca pensamentos inusitados. Malcriado sem ser grosseiro. Esperto sem ser cerebral. Livre da missão de espalhar bondades e flores. Mas que espalha reflexões de forma natural, leve, sem didatismos. Um humor que tenta remendar as feridas com fio de ovos e glitter colorido.
Em 2017, recebi o convite da Folha para ocupar este espaço com humor. Até quando dá pra rir disso tudo? Até quando vai ter gente achando graça? Eu mesmo não sei responder.
Hoje precisava fazer uma pausa. Escrever esta coluna pra tomar fôlego. Esperar que essa bola de feno presa na garganta role com o vento.
Mas tenho firme a intuição de que parar de rir é jogar a toalha. É perder o senso crítico.
Sigo com a missão de dizer que Bolsonaro não está sem máscara. O presidente está nu.