Só os milicianos são livres, e esse tipo de emancipação não tem pra todo mundo

Seguinte: tomei a liberdade de colocar o Renato Terra num cativeiro até semana que vem. Depois que assumi a liderança da milícia aqui da região eu descobri que a liberdade é uma maravilha.
Por exemplo, eu conquistei a liberdade de omitir o meu nome completo. Como eu gosto de elaborar meus pensamentos, todo mundo me conhece como Klebinho Filósofo.

O recado que eu quero mandar aqui é pros recalcados que querem ser como eu.

Se hoje eu tenho liberdade de andar armado, de mandar prender e de mandar soltar foi porque eu conquistei. Com o suor do meu trabalho de achacar geral, tenho hoje uma condição que me dá o direito de não respeitar esses mimimis aí de Código Penal, passaporte de vacina, tomada de três pinos.

Ilustração de Débora Gonzalez, publicada em 7 de outubro de 2021

Sou o exemplo vivo da meritocracia brasileira.

E se tem uma coisa que dá certo no Brasil de hoje é milícia. A gente é tipo o Vale do Silício dessa parada. No Rio de Janeiro tem até unicórnio do crime.

Não me chamam de Filósofo à toa. Sei que tem uma galera aí que fica espalhando nossa ideologia pra ver se ganha uma boquinha. Tá cheio de maluco batendo na tecla de que liberdade de escolha é tipo um passe livre pra fazer merda: andar armado, não tomar vacina, correr de carro que nem um alucinado, queimar tudo que é mato e foda-se.

Isso é a ideologia da milícia, irmão. A gente quer é desistir de viver em sociedade. É largar mão de pelo menos se esforçar pra que outras pessoas tenham liberdade. É pensar que a liberdade que vale é só a minha.

E é por isso que tô dando esse aviso aqui.

Esse tipo de liberdade não tem pra todo mundo, não. Só cabe um rei em cada reino. Pra eu ter minha liberdade de fazer o que eu quiser aqui, irmão, tem uma porrada de soldado garantindo o meu lado. E tem uma porrada de morador assustado que paga caro pra eu ter minhas mordomias. É todo um sistema de pirâmide, e eu tô no topo.

Eu é que posso ter a liberdade de escolher a sinhá preta que eu quiser. Eu é que posso colocar fuzil na mão de criança. Eu é que posso invadir tribunal e fazer do espaço público o quintal da minha casa. Além de chefe de milícia, como eu disse, eu sou filósofo.

Fica o recado aí então. Vocês tão corroendo a sociedade toda, colocando arma na mão de todo mundo. Essa porra toda vai virar miliciocracia. Aí a gente vai ver quem sobrevive à lei do mais forte. E quem vai ter liberdade de escolha nessa merda.

Tenta a sorte, parceiro.