Irritado, Ricardo Salles negou que sua saída ocorreu para apagar o incêndio da Covaxin. “Apagar incêndio? É sério que vocês vão me acusar disso?”, perguntou Salles, enquanto colocava veneno numa colmeia.

A Polícia Federal investiga Ricardo Salles a partir de indícios de que teria usado seu escritório de advocacia para “passar a bolada”. Salles reconheceu que ficou com o filme queimado.

Enzo Gabriel nasceu com um pé mais pesado que o outro. A sinistra deformidade não era vista a olho nu. Calçava 43  desde o nascimento e, com o tempo, o corpo foi crescendo e se adaptando ao pé.

Acossado por um mundo comunista que não lhe oferecia oportunidades, Enzo construiu em 2013 seu primeiro automóvel usando centenas de tomadas de três pinos desmontadas. Em vez de gasolina, o carro de Enzo era movido pela poderosa combustão do ressentimento.

Corte para 2020. 

A caminho da Barra da Tijuca, Enzo Gabriel passa como um raio por uma viatura policial. A mais de 250 quilômetros por hora. A combinação do ressentimento aditivado com o pé pesado era uma afronta diária ao código de trânsito. Seu carro havia se transformado numa máquina mortífera. 

Dessa vez, a viatura emparelhou e exigiu que Enzo encostasse. Dois policiais armados berraram: “Cidadão, em quem o senhor votou na última eleição?”.

Enzo apontou para um adesivo de Bolsonaro no vidro traseiro. Imediatamente, os tiras baixaram a guarda. “O senhor está certo! O Estado não pode obrigar ninguém a andar devagar. Boa viagem!”

Enzo saiu cantando pneus. No caminho, amassou dois caminhões, atropelou uma galinha e uma senhora. Os policiais que o liberaram foram homenageados na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Doença macabra

O patriota Clóvis do Bole Bole contraiu o maldito vírus chinês. Numa noite, ofegante e febril, comeu uma jujuba vermelha. Passados três dias, estava melhor.

Clóvis do Bole Bole foi às rádios e TVs questionar os bilhões que estão sendo gastos em busca de uma vacina. Intuiu que havia uma grande conspiração das indústrias farmacêuticas junto da extrema imprensa para esconder da população o verdadeiro poder profilático da jujuba vermelha. 

Água nefasta

Assim que soube da descoberta de água na Lua, Ricardo  Salles sentiu uma estranha pontada no peito. Comeu um tuiuiú vivo para aplacar a dor. Em vão. Cortou uma samambaia.

Nada. O sentimento de vazio só foi confortado quando Salles investiu milhões no lançamento espacial de uma tocha para evaporar a água lunar.

Jair Bolsonaro endossou a medida. “O governo do Brasil preza a liberdade dos brasileiros. Ninguém pode obrigar ninguém a parar no sinal vermelho”, discursou. O presidente pretende revogar o que chamou de “ditadura do trânsito”.

Um programa opinativo da TV repercutiu a decisão do presidente. “Essa é a verdade que não querem que você saiba: o Estado brasileiro não tem o direito de intervir no direito dos brasileiros de ir e vir com seus veículos. Daqui a pouco vão obrigar você a usar cinto de segurança e aí, meus amigos, estamos no comunismo! Ou pior: a esquerda vai obrigar as usar cadeirinhas pedófilas para suas crianças no banco de trás”, disse o apresentador. “Todo mundo que para em sinal vermelho dá o toba”, acrescentou outro participante.

Animado com a repercussão da medida, o ministro prometeu acabar com a grama dos estádios de futebol. “É muita regulamentação, muita burocracia. Se o time mandante quiser jogar sobre as cinzas da mãe do juiz, em cima de um cemitério indígena ou numa enorme placa de nióbio, que seja feita a sua vontade. Prezamos a liberdade dos brasileiros”, explicou, pouco antes de estrangular um mico-leão.

Para aumentar a oferta de emprego, Salles propôs derrubar cada canteiro em cada esquina de cada cidade para estimular o empreendedorismo. “Pra que servem as árvores senão para os mendigos fazerem xixi? A natureza estimula a vagabundagem! Além disso, estudos mostram que os canteiros têm metragem suficiente para acomodar pelo menos um boi. Ou é isso ou o PT vai voltar”, afirmou o apresentador.

O ministro ainda prometeu trocar por cinza o verde do retângulo da bandeira brasileira. “É provisório. Nossa ideia é que até o final do mandato a bandeira seja toda amarela”, anunciou. Em seguida, jogou inseticida num golfinho.

De acordo com Al Jean e Mike Reiss, roteiristas da série, a voz do personagem foi baseada em Roy Cohn, um dos principais conselheiros Joseph McCarthy na insana caça aos comunistas nos anos 50.

A maior página dos Simpsons o descreve assim: “Ele é um advogado (embora não necessariamente ético) competente. Por outro lado, este é uma pessoa muito antipática e não possui um bom humor não sendo uma pessoa nada descontraída, pois poucas vezes ri ou sorri apesar de ser o mais bem sucedido profissional de seu ramo na terra de Jebediah. Ele atuou como o advogado-chefe de Burns, ajudando-o com ameaças de encerramento da Usina e de Burns perder dinheiro. Ele é membro do Partido Republica no de Springfield, e seus clientes tendem a ser antagonistas dos Simpsons”.

Salles molhou o dedo indicador com saliva e elevou-o para cima para medir a intensidade dos ventos. Na sequência, levantou suspeitas sobre a Venezuela. “Eles têm uma estatal só pra isso!”, acusou em suas redes sociais, enquanto observava a ação de empresários para retirar o óleo.

Em seguida, enquanto reclamava do VAR, Salles disse que o óleo foi transportando por ONGs ligadas às Farc, ao PT e à Conmebol sob comando de Nicolás Maduro. Como consequência, o ministro brigou com governadores, prefeitos e autoridades interessadas em agir.

Quando, enfim, resolveu levantar da cadeira, Salles provocou um rebuliço. Assessores notaram que o ministro deixou uma enorme poça de óleo de peroba no assento. Um fio de óleo seguiu o ministro acompanhando sua ida ao banheiro. Mas os assessores resolveram seguir o padrão do chefe: não fizeram nada.

Em seguida, Salles voltou ao twitter para observar a movimentação dos trending topics.

“Quero ver se os satélites da Nasa e do Datafolha vão flagrar essas enormes manchas verdes no final de semana”, provocou o capitão.

Manifestantes pró-governo, no entanto, vêm relatando dificuldades em encontrar verde. “Foi só encostar num tecido verde que tive reação alérgica”, revelou o ministro Ricardo Salles.

“Eu rodei a cidade procurando amarelo, mas o pessoal tá dizendo que os garimpeiros já levaram tudo”, reclamou Joice Hasselmann. Carla Zambelli teve de recorrer a um general de alta patente para conseguir uma bandana verde para o filho.

Questionado sobre o eclipse cromático, o futuro diplomata Eduardo Bolsonaro reagiu de acordo com a liturgia do cargo pleiteado: “Viado é verde, verde é bambu, bola na rede, meu pau no seu cu”, respondeu.

Solidário com a demanda do núcleo duro bolsonarista, apresento algumas opções para substituir as cores pátrias.

Cinza: a primeira e mais óbvia opção quando se pretende ilustrar a Amazônia na gestão Bolsonaro. Cinza também é a cor da munição das nossas polícias, da aura de Olavo de Carvalho e das obturações do presidente.

Laranja: é a cor da moda no núcleo duro bolsonarista. A tendência nasceu no gabinete de Flávio Bolsonaro e se espalhou pelo PSL, chegando ao ministério do Turismo.

Furta-cor: tonalidade radiante para quem quer expressar seu contentamento com as interferências de Bolsonaro na Polícia Federal, no Ministério Público e na Procuradoria-Geral da União.

Cor de Bolsonaro quando foge: este fosco matiz de amarelo-enxofre e rosa-bebê colore o rosto do presidente sempre que ele abandona entrevistas quando se vê frente a perguntas incômodas. Começou a ganhar protagonismo quando Bolsonaro, ainda candidato, fugiu dos debates na campanha do ano passado. Ideal para quem quer protestar no conforto de casa, diante da TV, sem precisar se expor.

Segundo Carlão_77, a ideologia foi polinizada secretamente por abelhas. “Aquela organização da colmeia é claramente uma ditadura comunista. Recebi fotos que comprovam que o Zangão mora num tríplex”, explicou, baseado num estudo publicado numa caixa de comentários do UOL.

O cientista BR4_Xecoxeco, bacharel em deep web, apresentou evidências de que o comunismo se espalhou pelos reinos vegetal e animal. “Inspirada nos terroristas do MST, a natureza invadiu um terreno que não era propriedade dela. Aquelas árvores malditas só atrapalham a vida daqueles que acordam cedo para carregar esse país nas costas.” E completou: “Fui numa floresta. O jequitibá mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para fotossíntese ele serve mais”.

De acordo com o estudo apresentado, a ideologia secreta das plantas foi criada pelo Solo de São Paulo com o intuito de causar a impressão de que centenas de hectares foram destruídos para, com isso, atacar Bolsonaro e trazer o PT de volta ao poder. “Não há um centímetro desmatado ilegalmente. Imagens noturnas de satélite mostram que 78% das árvores foram, sub-repticiamente, para Cuba, Venezuela e Atibaia. O resto da vegetação, traumatizada pelo comunismo, acabou se suicidando”, explicou o radialista Caio Coca-Cola.

Blogueiros ambientalistas ouvidos pelo governo, em paralelo, apresentaram uma denúncia contra os biomas que “roubam o nosso gás carbônico para enriquecimento pessoal, provocam chuvas contra a nossa vontade e servem de esconderijo para as Farc”.

No final da tarde, o ministro Ricardo Salles reagiu aos estudos independentes e aos ambientalistas. “A Noruega caça baleias, a Alemanha é o país que mais mata mosquitos, o meteoro exterminou os dinossauros. Eles não têm moral para falar da gente!”, discursou, com a voz mansa.

Em seguida, apresentou uma proposta pragmática: “Até o final do ano, se ainda houver floresta, a gente tira da gaveta o programa Minha Motosserra, Minha Vida”.